22.7.08

O tempo não volta atrás. Enquanto Einstein não aparecer vivo em boletim extraordinário de todos os telejornais existentes, não há quem me convença da Teoria da Relatividade ou da possibilidade de fazer as horas existirem de novo.

Por que, então, sinto tantas vezes uma vontade, bem no estômago, de amarrar minutos nos meus calcanhares e girar neles até que os segundos atados caiam volta bem na minha frente? Talvez porque esteja sempre olhando para trás com as saudades qualquer outro lado. Mas o caminho é à frente. E tem tanto tropeço.

A comparação é um dos amigos mais cruéis do tempo. Comparar seu rosto, seu corpo, amigos e o peso dentro do peito... como você era há três anos? Quem você era...?

Não sei como ou o quê, mas tem alguma coisa aqui - dentro ou fora de mim? - roubando meus segundos.
Agora mesmo.
Lá vai outro.
E mais outro.
E outro... desses que não terei mais.

14.7.08

Costumava pensar na vida como uma construção... civil mesmo, em que cada bloco de barro formar-se-ia de suor ou lágrimas - às vezes de ambos. Acho "construir" algo da natureza; da mãe e da humana. Ninguém é feliz sentado em seu quadrado cheio de nada.

Há que se ter paredes... As paredes cerram. Fazem-se necessárias, então, janelas e portas - que abrem demais. Então, chega a vez das chaves, cadeados. Eles fecham quem está lá fora, mas também nos fecham por dentro. Daí são feitas 168 cópias - para cada ente querido.

O que fazer com sua casa, se te arrancam as paredes?

Se nela ficam você e o vazio. E o teto caindo na cabeça...

10.4.08

Exercício da aula de Audiovisual - Transcrição de um trecho de filme


(minha) Transcrição e descrição de:

Before Sunset
Antes do Pôr-do-Sol

(2004)

Fragmento de [00:46:25] a [00:49:43]

Diretor: Richard Linklater
Créditos de autoria: Richard Linklater (personagens, história e roteiro), Kim Krizan (personagens e história), Julie Delpy (roteiro) e Ethan Hawke (roteiro).


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É um tema qualquer que perpassa entre as bocas e ouvidos dos dois. Arquitetura, tempo, (mesmo?), economia, política. Tudo aquilo que possa esconder o passado ou o nervosismo, estampados no canto dos olhos. Mas se existe algo que não se pode subestimar é o poder emotivo do Rio Sena ou da bela Notre Dame. Depois de ouvir algumas vírgulas sem sentido e mesmo assim concordar, ela volta os olhos aos calcanhares, se perdendo dois precisos segundos. Está tentando se livrar daquele embaraçoso silêncio que, por mais que só pudesse durar dois segundos, seria sempre o silêncio – a brecha para um verdadeiro encontro de olhares. Com algo que tenta ser um riso (ou sorriso?) despretensioso, estão os dois agora correndo contra o silêncio e ela dá o primeiro passo: ergue a cabeça, palavras atropelando sua própria boca pareciam ir de encontro a um recém-conhecido.

― É... isso é ótimo. É algo que eu nunca havia feito... às vezes esqueço o quão bela Paris é... ― diz Celine, finalmente voltando-se inteira para a proa do barco de turismo, onde Jesse estava sentado, entre dois salva-vidas de cor laranja.

― Não é nada mau ser turista.

― Obrigada pelo passeio de barco. ― ela continua enquanto anda até a proa e se posta ao lado dele.

― De nada... ― Jesse responde mecanicamente, mas com aquele sorriso leve, só dele, voltando-se para esquerda de modo a encarar Celine de frente.

Ele não precisa juntar grãos de coragem como ela. Nem esperar o momento oportuno. E assim foi direto ao ponto:

― Sabe... acho que aquele livro que escrevi, de certa forma, foi como se eu estivesse construindo algo... que me impedisse de esquecer os detalhes de quando estivemos juntos. Sabe, como algo que me lembrasse que... nós realmente estivemos juntos, que isso era real, aconteceu de verdade.

Uma sombra invade o barco ao passarem sob uma das muitas pequenas pontes do Sena. E todas as palavras de Jesse ecoam em Celine dando a ela aquela brecha. Aquela de se falar da maior experiência de sua vida como quem fala sobre que o que comeu no almoço. Não por ser natural falar dela agora, mas pela incessante tentativa de fazê-la menos importante para que não doa tanto.

― Fico feliz por você dizer isso porque... quero dizer, sempre me senti tão anormal por nunca ser capaz de seguir em frente... assim! ― diz, estalando o polegar num gesto rápido para demonstrar o que “assim” significa. Ele desvia o olhar vez ou outra para observar o rio que fica para trás enquanto ela vai em frente:

― As pessoas têm casos ou até... relacionamentos inteiros... e então, eles terminam e esquecem. Mudam como se trocassem de marca de cereal. Sinto como se nunca fosse capaz de esquecer ninguém com quem estive. Porque cada pessoa tem... sabe, qualidades específicas. Você não pode substituir ninguém. O que está perdido, está perdido.

E, ao dizer isso, perde-se ela mesma, com os cabelos embaraçados pelo vento, dois outros segundos em seus calcanhares antes de continuar.

― Cada relacionamento que termina... me magoa. Nunca me recupero completamente. É por isso que sou muito cuidadosa ao me envolver com alguém porque... magoa muito. Até só transar... na verdade, não faço mais isso. ― ela ri e o faz rir também ― Eu sempre vou sentir saudades daquela pessoa. Das coisas mais mundanas nela. Assim... tenho obsessão pelas coisas pequenas. Talvez eu seja louca... ― ela prossegue enquanto Jesse dá mais um de seus sorrisos tortos.

― Sabe, minha mãe me contou que quando eu era pequena, sempre chegava atrasada na escola. Um dia, ela me seguiu para descobrir por quê. Durante todo o caminho, eu parava para assistir as castanhas caírem das árvores e rolarem na calçada... ou formigas, atravessando a rua... ou como a sombra de uma folha se projetava no tronco da árvore... coisas pequenas.

Jesse não faz nada senão olhar fascinado o rosto dela. É como se ali, apesar das feições mais maduras e menos românticas, estivesse a mesma menina daquela noite, há tanto anos atrás. Ele não a interrompia... e ela não se importava com isso.

― Acho que é o mesmo com as pessoas ―, dizia. ― Eu as vejo em pequenos detalhes. Tão específicos em cada um... que me toca. E eu sinto saudades... e sempre vou sentir. Nunca se pode substituir alguém. Porque todos são feitos de tantos detalhes bonitos, mínimos e específicos...

Ela finalmente tem a coragem de ser mais direta. Mesmo que tenha que se perder nos calcanhares uma terceira vez para encontrá-la. E sorri.

― Como… eu me lembro... que a sua barba tem alguns fios avermelhados. E como o sol fazia ela brilhar naquela... naquela manhã, pouco antes de você partir. Me lembro disso e... sinto saudades.

Agora ela parece um tanto desconcertada e vasculha seu vocabulário por uma fração de segundo. Sorri e ri, tenta quebrar o momento:

― Sou louca mesmo, certo?

― Certo, agora eu sei com certeza... ― ele responde, tão desconcertado quanto, mas mas ciente do espaço, recém-surgido. Aquele que se chama 'possibilidade'. ― Quer saber por que eu escrevi aquele livro estúpido? ― ele pergunta.

Ela ignora os fios loiros que são jogados pelo vento em seu rosto e mantém os olhos fixos nos dele, como quem procura a maior explicação da vida. ― Por quê?

― Porque assim você viria à sessão de leitura em Paris e eu poderia andar até você e perguntar: “Onde diabos você estava?”.

― Não... você achou mesmo que eu estaria aqui... hoje? ― questiona incrédula, mais por não querer acreditar.

― É sério, eu acho... eu escrevi, de certa forma, pra tentar te encontrar!

― Ok. Ok, eu sei que não é verdade, mas foi gentil da sua parte dizer isso. - responde, incrédula... mais pela vontade de que o passado permanecesse em inércia.

― Mas é verdade!!! Que chances nós teríamos de nos ver novamente?

― Depois daquele dezembro? Eu diria quase zero. ― Ela procura as palavras para tentar se explicar:

― Nós não somos reais de qualquer forma, certo? Somos somente... como personagens no sonho de uma velha senhora. Ela está deitada em sua cama, esperando a morte, fantasiando sobra sua juventude... Então, ali, claro que tínhamos que nos encontrar novamente.

Ele se levanta abruptamente e anda até o lado do barco, onde ela estava recostada no início do passeio.

― Meu Deus!! ― ele tem um meio tom de desespero na voz. ― Por que você não estava em Viena? ― e, enquanto fala, esmurra a mão esquerda uma vez tentando tirar de dentro de si parte da frustração.

― Eu lhe disse por quê! ― ela responde, um tanto confusa.

― Não... eu sei por quê... mas só... eu queria que você estivesse lá! Nossas vidas poderiam ter sido tão diferentes...

― Você acha? ― ela era atéia e sua expressão de incredulidade perante das palavras dele era a mesma que tinha quando disse não acreditar em Deus.

― Na verdade, sim!

― Talvez não... talvez poderíamos até nos odiar no final das contas. ― ela tentava convencê-lo de seu ponto de vista com menos pressa do que a si mesma.

― Ah, sim… como? Da mesma maneira que nos odiamos agora?

E a sombra de uma outra pequena ponte parisiense os encobre enquanto ela se vê perdida outra vez nos calcanhares. Numa busca incessante de alguma forma, qualquer uma, de evitar olhar o passado de maneira diferente... como algo que possa ser mudado.



15.3.08

FIM.

Chovia no dia em que percebeu: sua vida não era feita de finais felizes, apenas de finais. Choveu dos olhos para fora ao lembrar da dormência. E desejou não ter o peito para lembrá-la de sua escolha. Desejou, como há tanto tempo não fazia, ser vazia e sem pulsos.

Não havia como entender. Como aquilo, que antes a fazia respirar, agora oprimia o peito com tanta violência..? A ponto de seus doze pares de costelas serem novamente batizados por substantivos presentes em diversos graus entre "mágoa" e "raiva".

O chumbo da tristeza era palpável e pesava em seus pulmões. Seu rosto, antes enfeitado com broches de sorriso, era hoje infectado por um cinza eterno. Todas as palavras antes proferidas por dois caíam como granizo afiado em suas costas, marcando em sua pele cortes finos e profundos. Não havia mais lugar para asas.

E, enquanto olhava para trás, percebeu que o fazia sozinha. Procurou ao seu lado e só encontrou resquícios do que ela mesma havia sido. Pois, fora isso, não havia mais nada. Sua inútil disposição em acreditar deu-lhe uma bofetada no rosto e atirou-a no chão. As mãos trêmulas e mal acostumadas ao vazio buscaram retalhos e uma agulha. Enquanto a cabeça latejante gritava verdades, o músculo ainda desperto no peito preferia assistir os dedos e braços sendo perfurados. Recusava-se a ajudar os olhos a se abrirem.

Ela já sabe que o quarto está vazio.
Just say the words.