24.9.14

umidade relativa do ar.


acredito no poder da tempestade
e tenho poucos tons de cinza
entre o branco e o preto
das entrelinhas da minha língua
gosto de confusões pontuadas
da gota estalando na poça
do quebranto da superfície
plana e chata, que passa

quero as ondas desuniformes
que se formam no centro d'água
enquanto a boca treme
mareia no instante da mágoa
espero que esbarrem na mesa
pra derrubar o copo e a taça
enquanto acordo mais cedo
só pra destruir a tua casa

vou riscar suas certezas exatas
que escrevi mesmo à lápis
não gosto de apagar, da borracha
alguns erros me fazem feliz
gosto de tudo sem quase
da levada, da letra, da dança
está debaixo da pele, é grave
espero a resposta à distância

[cheiro de grama molhada acalma o coração]

23.9.14

das variantes inevitáveis.

tenho uma série de perguntas enfileiradas pra te fazer. elas estão na minha garganta queimando a largada. é uma depois da outra e todas depois daquela segunda-feira. aliás, por que a segunda-feira? aqui está a primeira. o domingo é muito bom para fins, acredito eu. acredito principalmente na verdade e achei que isso te habitasse de alguma forma. que isso estivesse presente na mensagem sem assunto. hoje entendo por que meus pés balançavam nervosamente todos os segundos ao seu lado: eles já sabiam que não era o lugar certo. senti sempre aqui, entre o diafragma e o pulmão, que dois pés atrás eram posição inicial padrão com você. assim declarei tantas vezes - porque precisava me convencer a seu despeito. fechei as frestas da maneira que pude e segurei tudo no colo direitinho. no domingo do fim, algumas coisas me escaparam e achei que não importaria porque eu estava ali na porta indo embora. e aí a segunda-feira.

por que uma segunda-feira se não tem mais domingo?

fique sabendo que aquele domingo doeria uma dorzinha de sapato apertado. uma semana, duas? só.
e que agora foi outro tipo de ferida.
qual será essa distância entre o despertar insuportável com-barulhos-sem-mim e o silêncio?
pra ajudar seu analista: daqui não tem desculpa.




deixa pra depois
o que já não precisa mais deixar
mudando as mesmas coisas de lugar
a certa coisa certa a se fazer
e diz que só queria descansar
de quem a gente mesmo escolheu ser
sem querer, é sempre sem querer

então, taí
nosso refrão, taí
sem graça.

3.9.14

o extraordinário exato.

desde anteontem,
vou te deixar
no lugar onde encontrei
não é mérito seu, meu bem,
não se apresse em mudar
tenho meu dever, meu deus
andar até encontrar
o extraordinário
dos dias exatos

[sou das pessoas que tem
esses desígnios chatos
de acender um fogo
na covardia de cada dia
que quando vira brasa
morre, assa, passa
e o chão não contém
cada fumo fumegando
faz as horas de refém
já fui eu fugir de novo
porque prefiro viver sem].

2.9.14

das variáveis da solidão.

sempre gostei da solidão. essa companheira das horas madrugueiras que me é tão fiel. hoje experimento sua presença de uma forma diferente. é a primeira vez que a tenho ao meu lado sem amor por dentro. é a primeira vez na vida que não tenho amor por dentro. amor pleno, amor crescente, amor aos pedaços, amor desprezado, amor terminado... sempre tinha um amor por aqui. aquilo que se culpa por sorrisos e lágrimas involuntários. aquilo que nos move pra dentro do outro ou debaixo das cobertas. aquilo que enche o peito de razões. aquilo que, sem saber que sempre tive, nunca soube o quanto faria falta.

"só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."

29.8.14

cabô milho.

saudade é o espaço entre dois quereres
os segundos entre a pipoca e o piruá
a escolha de não ceder ao fogo
vazio é o filho que nasce na medida dessa distância
o peito é quem se perde no tempo da falta
vontade é a falta que faz
e aí o que falta já é essa vontade
de botar mais milho na panela


18.8.14

nunca chegou segunda-feira, 12h.

Nunca chegou aquele e-mail da segunda-feira às 12h.

Um dia, desliguei o telefone e encontrei seus olhos em foco. Isso era novidade pra nós dois. Eu tinha tempo de sobra e você vontade. Gostei das suas mãos e acho que nunca te disse isso. Nesse tempo, dividimos palavras e sorrisos no canto da boca, mas só em noites de sábado distantes. Nas próximas, dividíamos lençóis.

Eu sempre acordo antes e vou colocar os olhos pra passear na sua coleção de livros. Uso a ponta dos dedos pra marcar as quinas dos móveis enquanto você dorme. Rearranjo aquela estante na minha imaginação porque discordo da sua ordem das coisas. Aqui se nota um uso equivocado do tempo presente.

Só hoje entendi que peguei um avião e quando voltei já não existia a segunda-feira, às 12h. Comi devagar essa fatia bem servida de pouco demais e deixei a louça na pia, pra ter certeza que seja lavada a seu gosto. Nice to know you, good-bye.



"É, pode ser que a maré não vire
Pode ser do vento vir contra o cais
E se já não sinto teus sinais
Pode ser da vida acostumar"

20.6.14

encrenca.

lembro do instante exato em que você percebeu que eu poderia ser mais do que aquela presa noturna. era o pânico invadindo seu rosto de menino grande. veio com uma pontada de tristeza. engraçado como a gente leu os olhos um do outro desde a vez em que você invadiu o meu espaço e me rodopiou pra roubar um pouco de atenção. eu entendi tudo o que você me disse sem abrir a boca.

te chamei de medroso uma vez e você me atacou com cócegas até que eu não pudesse mais respirar. eu sabia que era a sua confissão. a gente sabia juntos que não ia conseguir equilibrar na borda de qualquer coisa rasa aquela sensação de que o mundo podia acabar no encaixe das costas e no encontro dos quadris. nos diminuímos diariamente porque existia um terror compartilhado. aquele medo de deixar pra trás essa solidão a que já nos acostumamos. que "com a gente, não era pra ser assim".

mas quando a sua felicidade me invadia por dentro, parecia que sempre deveria ter sido plantada ali. entendi que você me queria ao lado pra ver o jogo do barcelona e pensava em mim todo domingo de manhã, de tarde, de noite. só que o silêncio assusta, então tive medo de ficar. [a questão do delivery]. no último dia, decidir não ir e você demorou 13 horas pra permitir minha partida.

(e ainda hoje, tem aquela falta dos seus pés se estalando).


28.2.14

amanhã chega a chuva.

acordei de coração pequeninho
é que ontem ele se encolheu
e tentou sumir de novo
tá aqui amuado, suspirando,
com medo de água da chuva.

passei manhã conversando com ele
disse assim: calma, meu amor
já passou isso tudo, ficou só
uma tatuagem pra lembrar
o resto já foi, fica tranquilo

resolvi cantar pra ele se acalmar
qualquer música, bem baixinho
verso a verso com um gosto salgado
que vai me pesando também

mas shhh, shhhh, vai ficar tudo bem.

amanhã chega a chuva.

24.2.14

sobre o medo que você acha que tenho de mar.

filha de netuno,
feita de água, 
benzida de sal,
olhos vertem mágoa
pelos pés, me abandona
todo e qualquer mal

sobrevivo na areia,
me obrigam a respirar,
mas com meus grãos sei
eu sou o mar.