10.12.09

No Rio pra te ver.

Acordara cedo na manhã cinzenta e molhada. Remoía os minutos de sono perdidos, sentada no banco daquele ônibus, que chacoalhava e fazia o espaço excessivo do assento parecer menos solitário. Havia percebido duas novas fissuras no rosto, que há semanas (anos?) carregava chumbo ao redor dos olhos. Mastigava todas as pequenas constatações matinais - essa chuva, que frio, tão cinza, e a lama nos pés, nem dá tempo de engolir um café -, por realmente não ter uma distração flutuante por ora.

E aquela cidade bonita, aquela maravilhosa, tem seus pedaços tão feios. Era ali, na Rodrigues Alves, que ela estava agora - ainda no ônibus, braços cruzados apertando o estômago e testa encostada no vidro da janela. Acabou de passar pela rodoviária e nem precisa abrir os olhos pra saber disso. Geralmente só prestava atenção no caminho quando ia pelo outro lado, apesar de já ter lido todos os provérbios(?) do Gentileza. Só hoje resolveu dar uma olhada na tristeza daquela rua, pra terminar de ruminar o mau humor.

Os olhos foram assim mesmo, despretenciosos, parar naquela parede. Aquela colorida, em que o desenho de um homem olhava pra ela, com um cartaz ao lado: "Ana, meu amor, tô no Rio pra te ver". Seguia um número de telefone. Rapidamente, sacou uma caneta e anotou na mão. Pensou em contar pros amigos numa mesa de bar. Ia ser engraçado e talvez alguém quisesse ligar pra ser a piada da noite. [E na verdade, como sua mão era bem suadeira, tudo ia ficar esquecido naqueles 10 segundos passados].

Bolsa jogada na cadeira do escritório, as horas minutavam normais. Mas a palma da mão coçava. Coçava demais. Resolveu olhar. Oito números e um hífen vermelhos e em alto-relevo olhavam de volta. Ah, alergia. Correu para o banheiro e lavou a tinta da caneta recém-adquirida por R$0,50.

Outro item recém-adquirido: uma vontade incontrolável de ler os tais números em intervalos de tempo cada vez menores.

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Mais uma ida chuvosa. Mais uma noite de minutos perdidos. Pensando nele.

Porque, na volta pra casa, ontem mesmo, já tinha decorado o tal telefone. E imaginava de onde ele vinha. Só alguém que viesse de lugar muito literário teria essa idéia: um recado no muro. Talvez viesse de algum livro da Clarice, talvez conhecesse a Macabéia ou morasse na aldeia do Alberto Caeiro. Devia ter os olhos bem escuros, e o cabelo? O cabelo ainda não dava pra imaginar. Ele não falava muito, mas falava certo. "Tô no Rio". Ah, é? "É, pra te ver". E pronto. Pra que mais?

O problema é que, depois, na manhã daquela nova ida chuvosa, passou todas as horas do caminho com medo. Só porque estava apaixonada. E não era aquele medo de estar, que a gente tem. Era medo de ser louca. É, porque quem não conhecia ele como ela - que passou a noite inteira conhecendo cada detalhe - poderia achar um absurdo se apaixonar por alguém que ainda não te conhece.

E quem disse que não? Ele está no Rio pra me ver. Só faltava eu saber o telefone.







(Pros fluminenses que atravessam a Ponte: o recado é real. E lindo. Tá numa daquelas pilastras ali de baixo, perto da Novo Rio...)

4 comentários:

Guilherme Rocha disse...

se a ana não o viu, ao menos ele foi visto...

Lari L disse...

ainda acho que a Ana pode ter sabido por quem o viu...

Suzana Meireles disse...

Mas eu fiquei angustiada com isso. Essa incerteza de ela ter visto ou não...

Ai, ai... esses românticos...

Konstantine disse...

O nervosismo e a angústia da espera pelo desconhecido é simples e incrível, em níveis completamente diferentes e parcialmente iguais.

Bem como um simples comentário sobre qualquer situação de um ser solitário e alcoolizado numa madrugada qualquer.

Tenho certeza de que eles se encontraram.