9.10.15

quando não importa que não importe paris.

Olhei de longe e te achei diferente de tudo que já tinha conhecido. Diferente de tudo que toquei com as pontas dos dedos e de mim. Toda a curiosidade do novo pulsando em viagens diárias através daquela baía. Minhas sempre presentes arestas tentaram assustar os planos, mas você poliu cada quina do meu rosto com um beijo e elas foram embora.
Você me olhou e foi tudo mais ou menos igual. Foi engraçado segurar nas mãos aquele bichinho arisco tantos meses. Cantou baixinho pra acalmar os medos e dedilhou no violão uma rotina doce. Só que aí você olhou de novo. Com o que falta, o que sobra, o que esquenta em maior frequência, o que sou e sempre fui. E me achou diferente de tudo que já tinha conhecido. Diferente de tudo que tocou com as pontas dos dedos. E sentiu neles estes cantos que me confortam e agora te afastam. As arestas tentaram assustar os planos e você falou dos nossos filhos. E a palavra quando sai da boca ganha corpo e forma. Aí o assustado era você. Ali estava a face que não via, a alma feita de covardia. Me prendeu os pés e partiu sem a delicadeza do adeus.


7.10.15

o horário do despertador.

O dia de mudar o horário do despertador dá sempre um aperto no fundo do coração. Mudo de oito para sete e sei que a noite não vai ter a sua respiração, nem a manhã o seu cheiro. Sei que não tem beijo no portão ou luz pra eu esquecer acesa. O dia de mudar o horário do despertador chega muito rápido e demora pra passar. Serve pra lembrar que o tempo ganhou toda uma nova elasticidade desde que passei a te encontrar. 

6.10.15

aqueles casais.

Olham pro horizonte, para a parede, fixam-se em cada vinco da mesa, sentem os detalhes dos rejuntes do piso. E seguram as mãos. As próprias, não um do outro. Passam horas em silêncio por minuto. Se encontram por fora da mesa. Com os muitos que são os outros. E falam. Dentro da própria garganta, um monólogo contido e inaudível. Tudo o que se diriam, se houvesse coragem, paixão, vontade, tesão, amor, ódio ou qualquer sentimento que não a inércia. Enquanto bate o relógio que não temos, enquanto fica o carro na rua, enquanto faltam móveis na casa. Enquanto houver por enquanto.


5.10.15

undertow.


Ele vem.
Sinto na pele seus sinais. Entrando devagar pelos poros e enchendo o peito ao avesso. O medo. Hora de se instalar na esquina, prazo padrão.
Seis meses ou duzentos e quarenta e poucos dias, depende de quando a gente começa a contar. Pode ser do dia que você anunciou que eu era sua ou do dia em que já sabíamos quem éramos um do outro. Não importa a contagem, o tempo é esse agora em que ouço algumas frases repetidas no eco de todos os meus anos. Desaprendi a respirar desde o domingo em que não batemos de carro. Te olho com olho de bicho assustado porque espero o tiro, o passo, a deixa. É agora ou espera mais um pouco?
É o mar se recolhendo devagar da areia. Vai o peito esvaziando a falta de ar e é tanto amanhã que já me começa a faltar. Toda aquela coleção de lembranças do futuro que você desenhou na minha frente. Aquelas coisas que eu nunca quis e que tanto já me fazem falta. 

Recuo porque não sei o tamanho da onda.