12.7.10

Tinta no rosto

 

Você conta suas mentiras
E a platéia aplaude de pé
No fundo mesmo, uma fraude
É tudo o que o povo quer

Vai se fazendo de santa,
Desentendida, generosa
Disfarçando suas intenções
Em versos de menção honrosa

E cava buracos no chão
Dizendo que são para as flores
Mas sei que é para enterrar
A alegria de antigos amores

Agradece o público lúdico
Bendiz os dias que conta
Esconde as gotas de inveja
Naquelas mentiras que monta.

Feche as cortinas, menina
Fica você no palco
Pra que tanta hipocrisia?
Pra que gritar tão alto?

Os holofotes já se apagaram
Será que assim você vê
Que é exatamente aquilo
O que tanto tenta esconder...

9.5.10

É isso.

É esse seu jeito de olhar tudo de uma vez só que assusta. Esses teus olhos enormes e de uma profundidade de dar medo de altura. Esses teus olhos famintos, sem o menor escrúpulo, que invadem fortalezas como quem passeia na praia. Essa tua mania de empurrar palavras pelos olhos, de gritar comigo assim, em silêncio. É essa visão de mim em que nem eu acredito, espelhada em cada filete de cor da sua íris. São esses teus cílios arrastando no meu rosto sem convite, sem hora de ir embora.

É esse teu jeito, essa mania, esses meus olhos enormes.

23.4.10

Cicatrizes.

Os dias contados no meu tempo
Fazem pesar tantos anos
Acumulados nos ombros
Os outros e teus enganos

 Sabe que estes presentes
Não me afetam tanto
Quanto antes, outros antes,
O quanto antes eu resolver

Hoje tenho preguiça
De sofrer por você
Hoje sinto menos
Tenho pouco a perder
Aqui o que me resta é
Nada além da impaciência...
E ignorar sua existência
Dentro do que tento ser

 Deitar comigo, sozinha
Acordar com a dormência
Escovar os dentes com ar
No espelho nada olhar
Do banheiro, dos seus olhos
Dos novos e velhos sonhos
E promessas descumpridas
Antes mesmo do tempo
De serem prometidas


(Nem dá tempo de ficar bom na prosa, a gente já enferruja na poesia. Tentativa número 01 de voltar).

28.2.10

Se eu tivesse papel de cartas.

Minha querida e melhor amiga,


Sei que tudo está fora do lugar desde você deixou de encontrar aquele olhar que sempre caía no seu. É, assim, um pequeno equilíbrio quebrado... como quando a gente coloca a xícara um pouquinho fora do lugar no pires e nada mais é como antes. Tudo é mais complicado quando uma pilha de roupas do lado da cama é mais que um amontoado de pano. Fica bem difícil quando a pia se enche de louças, coisas não ditas e coisas que nunca se queria ter dito.

Quero que esses teus olhos fundos não apontem mais para baixo. Olha, pequena, não é porque eles são cor de água que você tem que viver chorando. E se o teu peito dói, enche de sonhos... vai passar.

Se eu tivesse papéis de carta, escreveria mil trezentas e vinte e sete linhas em folhas desenhadas, pra tua casa ser só perfume e colorido. Ou podia pedir ajuda de alguns moços mais espertos que eu, cheios de números em calculadoras, pra inventar um abraço eterno, que envolvesse o seu coração toda vez que ele pensasse em doer. Toda vez que você pensasse em doer.

Toma esse aqui esse guarda-chuva lilás. E, quando você não precisar mais dele, pode vir trocar por um passeio de mãos dadas. Não tem prazo, não. Ainda que todo o resto pareça tão perene...




21.2.10

Ó...

Ó... Olha só. O senhor é muito abusado ou deve ser muito corajoso. Pra entrar aqui desse jeito, fingindo que não tem porta ou território demarcado. Não sabe que todos os dias eu risco todas as linhas com giz no chão? E não é brincadeira de criança, não, moço. É o meu castelo.

Olha bem. Eu sei que falei pra você não entrar, mas não precisa sair assim, tão rápido. O quê? Eu sei o que eu disse: pra não entrar. Onde é que você viu que era pra sair? Você me desculpe. Fica aqui, que eu fiz café com os nossos sonhos pr'a gente conversar sobre eles a noite toda.

Como é? Ah. Não tem problema, não. Essas linhas apagam sozinhas mesmo.

20.2.10

Pedaço.

Foi naquela tarde em que a gente despejou um montão de palavras nas cordas e depois ficou parando o olhar um no outro. Mais ou menos ali, onde você pegou o meu pé e eu não consegui protestar mesmo; olha bem, eu tenho aquela coisa de não deixar ninguém pegar o meu pé por aí. Mas você pegou como se fosse seu é só me devolveu quando quis.

Foi naquela noite em que o tempo engoliu a gente de maneira fantástica e a sua boca engoliu a minha e, de repente, eu estava tão mergulhada em uns braços de mar enormes... e foi depois, também, quando veio um céu bem frio e você fez que ia me abraçar, mas parou porque o medo era tão grande que os grãos de areia ficavam no caminho.

Mais ou menos aí que começou a nossa não-história. Mais ou menos ali, a impossibilidade.