15.12.09

A quase-história de um peixe.

Era um peixe pequeno, meio redondo e atrevido, mas não rebelde. Nadava e nadava pelo oceano imenso como se aquilo fosse sua casa. Tinha arroubos de coragem: agitava a cauda bem rápido, bem, bem rápido, virava flecha e traçava uma linha vertical em segundos acelerados. Ia até 30 centímetros antes do fim da massa de água. Não é que não tivesse coragem de saltar na superfície antes de voltar... o por quê de não fazê-lo, já lhes disse: não era um peixinho rebelde. E nem gostava daquele grupinho de peixes-voadores, por assim dizer, que tentavam parecer o que não eram.

Em um dia desses de dezembro, fazia tanto calor. Sentiu suas escamas cozinhando e resolveu que melhor seria ficar paradinho e tentar não aumentar o desconforto. Encostou a barriga na areia e se pôs a filtrar água.

O que o peixinho não sabia era que o mar não se agrada com marasmo. O gigante salgado cansou de ficar parado. Olhou para a cidade suja e resolveu dar-lhe um banho. Agitou-se a partir da areia - ei, é bem ali que estava aquele peixe... o pequeno e redondo, lembram? - e usou seus impulsos de onda para se levantar bem alto, além da costa. (Peraí! Peraí! Cadê o peixinho?). Se jogou de uma vez só, caiu de costas, violento e destruidor.

Ora, que banho é esse? A poeira de asfalto, tornada em lama, se juntava ao lodo e aos sacos plásticos. O senhor que me desculpe, mas foi o trabalho mais sujo que já vi por esses lados.

E se vocês ainda estão por aqui, perguntando pelo tal peixinho, foi assim que aconteceu para ele: a barriga esfriou e sentiu alguma coisa - que ao mesmo tempo não podia sentir - a puxá-lo pela orgulhosa cauda. O corpo subiu depressa, como nunca antes, pois a força que o arrastava não era a sua. Pensou que ia explodir com tamanha velocidade. (Daí lembrou que não tinha ar nos pulmões e nem mesmo pulmões... ficou mais calmo). Continuava se movimentando perdidamente - sendo movimentado sem nenhum referencial de tempo e espaço. Se não estivesse mergulhado em água, certamente entenderia que aquilo era voar.

De repente, tudo parou. Olhou para os lados e não reconheceu: via um grande escuro e nada mais. Só depois de algum tempo, percebeu que o mar tinha ido embora, deixando apenas pequenos pedaços de si em depressões do asfalto. Largou o peixinho ali? Estava em uma poça de três centímetros de profundidade.



"Se eu fosse um peixe-voador, agitaria as barbatanas no ar até voltar pra casa...", pensou o peixinho atrevido, enquanto morria sem protestar.
(Eu disse: não era rebelde!)






(Alguém tem uma teoria melhor pra explicar o peixe que vi numa poça ali no meio da Presidente Vargas?)

10.12.09

No Rio pra te ver.

Acordara cedo na manhã cinzenta e molhada. Remoía os minutos de sono perdidos, sentada no banco daquele ônibus, que chacoalhava e fazia o espaço excessivo do assento parecer menos solitário. Havia percebido duas novas fissuras no rosto, que há semanas (anos?) carregava chumbo ao redor dos olhos. Mastigava todas as pequenas constatações matinais - essa chuva, que frio, tão cinza, e a lama nos pés, nem dá tempo de engolir um café -, por realmente não ter uma distração flutuante por ora.

E aquela cidade bonita, aquela maravilhosa, tem seus pedaços tão feios. Era ali, na Rodrigues Alves, que ela estava agora - ainda no ônibus, braços cruzados apertando o estômago e testa encostada no vidro da janela. Acabou de passar pela rodoviária e nem precisa abrir os olhos pra saber disso. Geralmente só prestava atenção no caminho quando ia pelo outro lado, apesar de já ter lido todos os provérbios(?) do Gentileza. Só hoje resolveu dar uma olhada na tristeza daquela rua, pra terminar de ruminar o mau humor.

Os olhos foram assim mesmo, despretenciosos, parar naquela parede. Aquela colorida, em que o desenho de um homem olhava pra ela, com um cartaz ao lado: "Ana, meu amor, tô no Rio pra te ver". Seguia um número de telefone. Rapidamente, sacou uma caneta e anotou na mão. Pensou em contar pros amigos numa mesa de bar. Ia ser engraçado e talvez alguém quisesse ligar pra ser a piada da noite. [E na verdade, como sua mão era bem suadeira, tudo ia ficar esquecido naqueles 10 segundos passados].

Bolsa jogada na cadeira do escritório, as horas minutavam normais. Mas a palma da mão coçava. Coçava demais. Resolveu olhar. Oito números e um hífen vermelhos e em alto-relevo olhavam de volta. Ah, alergia. Correu para o banheiro e lavou a tinta da caneta recém-adquirida por R$0,50.

Outro item recém-adquirido: uma vontade incontrolável de ler os tais números em intervalos de tempo cada vez menores.

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Mais uma ida chuvosa. Mais uma noite de minutos perdidos. Pensando nele.

Porque, na volta pra casa, ontem mesmo, já tinha decorado o tal telefone. E imaginava de onde ele vinha. Só alguém que viesse de lugar muito literário teria essa idéia: um recado no muro. Talvez viesse de algum livro da Clarice, talvez conhecesse a Macabéia ou morasse na aldeia do Alberto Caeiro. Devia ter os olhos bem escuros, e o cabelo? O cabelo ainda não dava pra imaginar. Ele não falava muito, mas falava certo. "Tô no Rio". Ah, é? "É, pra te ver". E pronto. Pra que mais?

O problema é que, depois, na manhã daquela nova ida chuvosa, passou todas as horas do caminho com medo. Só porque estava apaixonada. E não era aquele medo de estar, que a gente tem. Era medo de ser louca. É, porque quem não conhecia ele como ela - que passou a noite inteira conhecendo cada detalhe - poderia achar um absurdo se apaixonar por alguém que ainda não te conhece.

E quem disse que não? Ele está no Rio pra me ver. Só faltava eu saber o telefone.







(Pros fluminenses que atravessam a Ponte: o recado é real. E lindo. Tá numa daquelas pilastras ali de baixo, perto da Novo Rio...)

6.12.09

Nove linhas.

Hoje guardei suas cartas na caixa de coisas esquecidas. E relutei por guardá-las com as dele, que apesar de passadas, são verdadeiras. Remexendo no baú de coisas mortas e escritas, me dei conta: você não valeu um verso triste, uma carta de ódio, uma prosa de madrugada mal dormida. Você não preencheu uma linha de toda a minha grande história registrada em orelhas de cadernos, guardanapos e rascunhos de e-mail.  Não tem um poema sequer com o seu rosto ou descrevendo as suas mãos.

Não escrevi uma palavra feliz ao te encontrar. Não chorei em cima de nenhuma página quando você resolveu, assim, inesperada e abruptamente, partir e não mais existir.

E, nessas linhas que escrevo só pra você (que não vale nenhuma delas), quero deixar claro, mas bem claro... que nunca te escrevi.

A fuga.

Procurou, durante meses, grãozinhos de coragem. Guardou todos em seu sapato de verniz vermelho, pro caso de algum vento repentino ou ladrão de sentimentos entrar pela janela. Hoje em dia, todo cuidado é pouco com seu montinho de coragem. Estão sempre tentando roubar um pedacinho dele... e de pouco em pouco, ele fica vazio e acaba. Aí, você é como todo mundo: procurando a coragem alheia.

Mas o que entrou pela janela não foi pessoa nem rajada. Foi simples, assim: uma palavra e uma interrogação. Entraram e saíram mais rápido do que um besourinho perdido. Só que os grãozinhos... aonde foram parar?

5.12.09

(re)Commencer.


Reabri o blog. Preciso de um espacinho de descarrego (ou de saber, aqui com o meu umbigo, que tenho um espacinho de descarrego).

Pensei em deletar os posts antigos porque são mega dark & twisted e agora a proposta (assim como eu?) é outra... mas assim era. E se assim não tivesse sido, hoje também não seria como é. Captou? rs.

E aí que agora decidi que isso aqui vai ser espaço livre e sem rigor literário, crítico ou suzanístico.

E, além disso, na cara de pau, vou aproveitar o primeiro texto que postei aqui, em 2005. Porque vale.

Então, até.
Beijo, beijo,
Su.

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Mesmo com a certeza de que isso vai cair em desleixo num futuro próximo, abro e começo.
Risco, rabisco e arrisco. Faço o que for, só me recuso a ficar calada. Silêncio me parece impossível de tão fácil, insuportável de tão cômodo. Gosto da pausa do calar, odeio sua continuação. Antes muito do que arrependida, prefiro parecer ridí­cula a não parecer. E prefiro ser demais a não ser.

Isso pode ser um começo sem fim, talvez sem meio, mas não dá pra saber sem tentar.
Dia desses, me deu aquela vontade de falar.

Bem-vindo ao circo,
sinta-se à vontade,
não faça silêncio
e nunca feche a porta ao sair.
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BLOG ANTIGO.


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