14.8.11

12ª D.P.

Muitos diriam que aquela fora a investigação mais fácil de sua carreira. Os rasos e sem imaginação. Era mesmo o óbvio a se pensar: aquele corpo de moça estirado no chão, um tiro no peito milimetricamente calculado e uma carta de confissão ao lado da arma abandonada. Crime passional, homicídio doloso, joguem na cadeia, cortem-lhe a cabeça.

O Delegado Torres, no entanto, analisou a cena mais de nove vezes. Andou pelo cômodo escuro percorrendo cada trajeto possível, empunhou a arma, empunhou a caneta, refez o disparo mentalmente. Os peritos, já com digitais colhidas, esgueiravam-se nos cantos para rir e destilar o escárnio: "Será que ele tá achando que vai ganhar por hora de investigação? Ô, Delegado... o salário é o mesmo no fim do mês, hein...".

Foi quase sete semanas depois que a delegacia se encheu de câmeras e repórteres afobados em pintar a nova chacota do horário nobre. O Delegado Torres ficou doido, com certeza, ficou. Com passos lentos, aquele quase aposentado iniciou a marcha que definiria seu fim de carreira. Eram os metros entre ele e a frase pela qual seria lembrado para sempre. O último passo, os flashes estouraram, tantos gritavam que quase não se podia ouvir:
- Doutor Delegado, por que essa mudança repentina?
- Simplesmente porque descobrimos a verdade.
- Mas o senhor mesmo, com carta de confissão em punho, declarou homicidío doloso! Agora vem desdizer?
- Nunca disse que não foi homicídio.
- E então?
- A moça atirou no próprio coração.
- Como é que é? Então é suicídio?
- Não, é o que você ouviu. Homicídio. Mas foi caso de legítima defesa.
- Legítima defesa, doutor?
- Pois é, rapaz... Culpa daquele coração que batia raivoso no peito.Um dia, o bicho tomou forma e resolveu começar a decidir por ela. Aí a moça enfezou. Calculou onde ele estava, marcou com hidrocor e pimba. Atirou.
- No próprio coração...
- É. É que chegou um ponto que... era ele ou ela, entende? Os dois já não podiam conviver.