24.5.12

tropecinho.


Era terça-feira quando nos sentamos no frio da cozinha e aquecemos tomando sopa com colher de sobremesa. Você não sabe e nem meus olhos poderiam te segredar o desespero do grito paralisado na garganta desse dia. Meus ossos continuavam pressionados contra cadeira, mas meu peito se debatia contra a pele para fugir. Nada me denunciava porque pairava a serenidade da colher afundando vagarosamente na cumbuca. E eu era a serenidade, atriz.

Levei as mãos à boca num susto de menina quando você apontou o nariz pra baixo olhando o que sobrou no prato. E ali fiquei, exasperada, ferida, apavorada. Recebi um amigo adolescente que tem me feito companhia quando sento em meus silêncios. Ando pela rua acompanhada desse medo louco de ter me apaixonado por você. Mais uma vez.

17.5.12

São duas da tarde.

São duas da tarde e a morte se sentou ao meu lado.

 Posso sentir sua respiração em meu pescoço, porque o ar é rarefeito. Tenho dois pulmões vazios e um coração inútil agora que a morte está sentada ao meu lado. Tenho fios de lágrimas no lugar de longos cabelos, tenho moedas antigas formando meu diafragma e por isso não respiro, para preservar o passado. Por isso não respiro. Esqueci o movimento meu e os pedestres em volta. As vozes, não as ouço. Não consigo ouvir som que haja agora que a morte está sentada ao meu lado. Tenho arame chiando pelo corpo, tenho ganchos pendurando-me pelas costas no teto, tenho cimento no útero e enxofre na língua, agora que a morte está sentada ao meu lado. Sou cadáver temporário, com a alma espalhada em versos, espalhados em conexões anônimas, esperando que a visita vá embora para voltar sem ameaças.

Agora que a morte está sentada ao meu lado, não tenho medo nem alma.


Diário das vísceras.


 Último reporte. Meu estômago acaba de engolir meu coração e agora espuma raivoso o veneno na boca. Contaminado, imundo, rasgado e cicatrizado, e não cicatrizado, musculozinho escroto. Virou-se ao contrário e despeja sangue por todas as partes. A garganta está com medo. Um terror contrai seus lados e tenta conter o caos do lado de dentro. Não é possível vomitar o oceano. Não é possível vomitar o oceano sem morrer afogado na ressaca.

Perdão, era o penúltimo reporte. Agora a cabeça se enche de gás de cozinha e flutua querendo arrancar-se do pescoço, esse único vínculo que a prende ao peito. Cano de esgoto. Tremem os dedos, as pernas, e o peito em grito contido. Urros ecoando entre as orelhas e quadris que deixam de existir no descompasso dos passos. Meus braços perderam os ligamentos ou não me obedecem mais, meus pulsos se romperam sozinhos.

Não é possível vomitar o oceano sem morrer afogado na ressaca. 



16.5.12

Monostrófico estrambótico.

(Se fosse um soneto).

Os teus silêncios cegam
Enchem de vazio palavras de depois
Enchem de dúvidas e passos
Enchem de vontade de nada
Aparam aquelas arestas passionais
Sentimento arisco se esconde no concreto
Dos muros que guardam as horas insones
Da insônia dos olhos de chumbo pregado
Dos cílios e de sua umidade secreta
Guardada nos tais muros distantes
A salvo da voz que não chama
E por não chamar já proclama
Não perecer, não pertencer

Please, don’t be long,
Please, don’t you be very long,
Please, don’t belong