21.7.13

a coisa mais importante dos dias sem semanas.

Que bom que a sua vida continua como se nada fosse do que já não somos. A coisa mais importante dos dias sem semanas foi isso. O seu sossego, a resignação - que é nome bonito para aquilo que não te importa (mais). Foi o vazio na resposta das últimas letras que trocamos. E dos sons também. O que você ama em mim? Pois nada, ainda bem. O que você vai fazer sobre as lacunas? Pois nada, ainda bem. Que o nada importa do que é meu é o que sempre houve, então me empurra um pouco mais adiante.

Agora que já tenho um pé e meio no tarde demais, espero que você não tente voltar. É tarde, é tarde para fingir mudar. É uma pena passar do ponto por encher as horas com pequenas felicidades que não são soluções.

No mais é isso. Sonhe grande, mas não esqueça de realizar.

When I was just a child in school
I asked my teacher what should I do
Should I paint pictures, should I sing songs
Here was her wise reply

Que sera sera 
Whatever will be, will be
The futures not ours to see
Que sera sera 
What will be, will be




12.7.13

meu melhor amigo é o chuveiro.

[não há mais fotos no quadro,
e eu tento preencher o vazio
com tudo o que havia de errado]

meu melhor amigo é o chuveiro,
que me engole lágrimas em azulejos
porque os outros sempre perguntam
'como vai?' quando não vou mais
ando por aí, demoro-me nas esquinas
entro e saio de salas, durmo e acordo
como, bebo, respiro, só não vou mais.
aonde quer que eu vá, não vou mais.

meus ouvidos zombam diariamente
dos desencontros de pensamentos
pedem músicas proibidas e riem:
sabem que todas elas o são.
tropeço por aí em pedrinhas no chão
e não posso mais dizer 'é meu'.
o meu e o seu, isso não é de hoje,
faz tempo que 'nosso' não é.

disso, eu sei.
e assim costuro a coragem.



23.6.13

quase sempre nunca.

quando os cachorros latem,
quando a porta bate,
quando ouço vozes na casa,
quando cochilo e acordo assustada,
quando o chão estala,
quando o telefone reclama,
quando o coração acelera sozinho,

quando acho que é você entrando pela porta
e dizendo 'vem comigo que quase tudo vai mudar'.

9.1.13

memória póstuma.

olá, meu amor,

como você se sente?

escrevo para contar-lhe terrível tragédia: acabo de falecer. não, não se choque, não se desespere. o luto é aceito, claro, mas não é necessário espanto. nós já o sabíamos, certo? que estava por morrer do câncer sonhador que me corroía por todos estes anos. não se inquiete, não se desespere. todos os amigos vão esperar, no entanto, que você esteja exasperado... não lhes deixe vir a olhos que passaram-se dois meses desde a minha morte sem que você tenha notado. eu sei, sempre foi assim. nunca houve carta sua que começasse com "olá, meu amor, como você se sente?", porque seus ouvidos são feitos de marimbondos afiados. impedem que o som entre e revidam fortemente se o tom se eleva para tentar penetrar-lhe os pensamentos. você não tem culpa de ser filho de um dragão cuspidor de fogo, mas tampouco tenho eu. e não posso sarar-lhe as cicatrizes das feridas nas orelhas, entende, porque já estou morta.

por aqui ainda espero que tudo vá bem para si. que seja feliz e cresça mais para chegar à própria altura. este é mesmo um conto fantástico que te escrevo do submundo e sabemos que me falta a originalidade do brás. diz-me que sua carne tem vermes. a minha, honestamente, já não sei dizer. talvez precise que se perceba minha morte para que eu possa senti-la plenamente. a ver. quando ler esta carta, tiramos a dúvida: se sentir o verme na carne, estou certa; se não, estou errada. e que há de importante em estar certo e errado no mundo dos mortos? se sou eterna em destino selado, que não conviva meu cadáver com o fato de estar eternamente errado.

um beijo, ou melhor, adeus.



2.1.13

e ponto.

fruta podre com bicho dentro
a gente corta o que é ruim
e acha que já passou,
que partiu, sumiu, datou

mas ficou um pedaço ali no canto
aquele amarelado, indisposto
o pedaço de outro pranto
interrompido e depois reposto

tudo por aqui já passou do ponto
eu sei, esperei até passar
em nós dois não cabe mais desencontro
nem ciúme, nem cartaz,

adeus, você.
eu sempre fui para o lado de lá.