9.12.11

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     A caixa de entrada, vazia. A caixa de mensagens, vazia. A caixa de correio, a caixa de bilhetes, a caixa de chamadas, a caixa de cartas de outrora, vazias. Era vazio atrás de vazio e todos os dias ao escovar os dentes frente ao espelho pedia a Deus – não, ao universo, não, a qualquer força, energia ou crença reconfortante superior – que os vazios acumulados não o preenchessem por completo.
     Entendeu o desespero dele? Diferente do silêncio, não há paz no vazio. Há a suspensão de tudo que não foi dito, pensado, sentido. E talvez também a de tudo que foi. Há espera, há ponte. Alguns vazios trazem vácuo e vão sugando para si tudo o que não se enquadrava antes no buraco negro de plano microscópico. Outros vazios são como os pequenos poros dos tecidos: deixam ir passando o ar. O problema é quando você tem que segurar as lágrimas, digo, a água!, o vaziozinho é suficiente para deixá-la passar sem perceber. De vazio em vazio, a gente fica cheio.

27.11.11

a manhã sua,

Poderiam imaginar que se trata de preguiça ou de uma estranha mania de se espreguiçar excessivamente ao acordar. A verdade é que naquela hora em que a manhã vem me despir do sono, já não sei mais o que sou eu separado de você. Onde começa o meu corpo e terminam os seus braços.

A verdade é essa, mas não só. Outra parte dela é que quando vem de novo a manhã pra nos despir dos sonhos, já estamos neles tão submersos que preferimos puxá-los pelo acordar adentro. De mãos dadas pelas ruas cinza, envoltos em reflexos amarelos. De amarelo em amarelo, no vermelho do meu rosto varrido pelos seus cílios incautos que revolteiam nessa pele manchada.

E cada manchinha do nariz reconhecida pelo canto da sua boca, e cada parte encaixada como peças de uma só caixa, e cada pé encostado na ponta da cama, e cada ferida cuidada, e cada dia terminado, e cada risada dividida no rastro do olhar... e cada um, cada dois, cada não-despertar de cada dia... a manhã sua, amanheceu.

25.10.11

Na próxima, por favor.

Escuta, você já perdeu o ponto no ônibus? Eu perco quase todo dia. É que a minha cabeça não é daquelas que pensa e despensa, ela vai pipocando ideias em formato de bolha de sabão. A danada sai flutuando por aí e não há Cristo que a consiga deter. Bolha de sabão, sabe como é, né? Ela estoura quando bem entende e aí lá vem o hoje me puxando pelos tornozelos. [baque no chão]

Pois bem, isto é outro assunto. Queria mesmo falar do exato momento em que você percebe que perdeu o ponto de ônibus. Levanta a cabeça, os olhos tateiam o cenário para todos os lados buscando alguma familiaridade em forma de rua ou parede, mas nada. Aí vêm os segundos de pânico, em que você não consegue decidir se o melhor é parar ali mesmo, não importa onde, ou esperar atéééé...

Outro dia, perdi o ponto e não contei a ninguém. Quando o grito escapou urgente da garganta, o moço me olhou estranho: "Mas aqui, menina? Não acha perigoso descer assim, na estrada, no meio do nada?". Desci grata pela cordialidade, esse recurso que rareia nas horas em que o erro foi seu.

Eu não posso ficar no ônibus porque não sei como é o ponto final, nunca vi a cara dele. Não sei se ia gostar dos cortornos, se ia querer tirar uma foto. Na verdade, não sei sequer se ele é melhor ou pior do que qualquer ponto de antes.

Dia-sim-outro-também, na hora em que as coisas acontecem, as bolhas de sabão vão batendo umas nas outras assim: não-sei-não-sei-não-sei. Essa hora em que você deveria dar todas as respostas e fica cheio de palavras rarefeitas. Depois, enquanto corria na estrada com todos os carros na direção oposta, plic, plic, plic as bolhas e eu já sabia: perigoso, moço, é ficar aqui esperando pra ver como é esse tal ponto final.

E continuei correndo. Tem outra coisa vindo atrás.

5.10.11

A roupa do avesso.



Se eu vestir a roupa do avesso,
não cortar as etiquetas,
se eu assistir novelas
e perder a mania de estalar os dedos

Se eu tiver menos rompantes,
controlar a impulsividade,
pintar as unhas só de branco,
quiser morar nessa cidade

Se eu não for obcecada por banho,
gostar de mim sem maquiagem
souber lidar com elogios
e passar a vestir roupa dentro de casa

Se eu não falar tão alto,
não criticar as coisas
não planejar por nós
e não ligar pra bagunça na gaveta

Se eu compreender cada vírgula
e não esperar mais cumplicidade

Se eu gostar dos hiatos de beijo
Se eu não ligar pra falta de saudade

Se eu entender de uma vez,
Que se é função condicional
e eu número real.

E eu vestindo a roupa do avesso...?
Ou! É avesso, n'é começo.

14.9.11

and, (ou chronicle of all things foretold)


You said "may you come, come with me,
To a previously lonely, now such lovely ride?"
A harm free path, is there anyone to hurt me?
"No, not a single soul, I wouldn’t let (them)"

There were popcorn bumps in our way,
So light, let them go melt under my fingers
And what (why, you see?) would I worry about it?
When my eyes were stuck in pretty things that linger

And, as we hit the new born rocks on the trail,
They slip right through those yellow warm leafs
Pain filled my knees, but my ears had honey bees
They wouldn’t feel the pain, did not hear me complain

And we st-ste-step-by-step, we hit the road
Regardless the warnings screaming "told you so"
The caravan flipped over, so much of me died
Come whisper, say anything but that I haven’t tried

[In the yellow leaf warm path,
now gray cold stones all set
never wonder, never ask
blindness prevents regret]

I thought you said no pain, you see
how about all this blood in my hands?
"This is blood I never asked, never asked,
never wondered. Worry not, I am sure."

[sure of what?
please, do not ignore]

Open up, let me stay

I opened my ribcage to cut this heart and fit your ways
And as the doctors came to stitch back my chest,
Look around, broken me, look around: he left.
Maybe it’s for the, e… maybe for the best.


14.8.11

12ª D.P.

Muitos diriam que aquela fora a investigação mais fácil de sua carreira. Os rasos e sem imaginação. Era mesmo o óbvio a se pensar: aquele corpo de moça estirado no chão, um tiro no peito milimetricamente calculado e uma carta de confissão ao lado da arma abandonada. Crime passional, homicídio doloso, joguem na cadeia, cortem-lhe a cabeça.

O Delegado Torres, no entanto, analisou a cena mais de nove vezes. Andou pelo cômodo escuro percorrendo cada trajeto possível, empunhou a arma, empunhou a caneta, refez o disparo mentalmente. Os peritos, já com digitais colhidas, esgueiravam-se nos cantos para rir e destilar o escárnio: "Será que ele tá achando que vai ganhar por hora de investigação? Ô, Delegado... o salário é o mesmo no fim do mês, hein...".

Foi quase sete semanas depois que a delegacia se encheu de câmeras e repórteres afobados em pintar a nova chacota do horário nobre. O Delegado Torres ficou doido, com certeza, ficou. Com passos lentos, aquele quase aposentado iniciou a marcha que definiria seu fim de carreira. Eram os metros entre ele e a frase pela qual seria lembrado para sempre. O último passo, os flashes estouraram, tantos gritavam que quase não se podia ouvir:
- Doutor Delegado, por que essa mudança repentina?
- Simplesmente porque descobrimos a verdade.
- Mas o senhor mesmo, com carta de confissão em punho, declarou homicidío doloso! Agora vem desdizer?
- Nunca disse que não foi homicídio.
- E então?
- A moça atirou no próprio coração.
- Como é que é? Então é suicídio?
- Não, é o que você ouviu. Homicídio. Mas foi caso de legítima defesa.
- Legítima defesa, doutor?
- Pois é, rapaz... Culpa daquele coração que batia raivoso no peito.Um dia, o bicho tomou forma e resolveu começar a decidir por ela. Aí a moça enfezou. Calculou onde ele estava, marcou com hidrocor e pimba. Atirou.
- No próprio coração...
- É. É que chegou um ponto que... era ele ou ela, entende? Os dois já não podiam conviver.


18.7.11

Pretérito-mais-que-perfeito. (ou Casa Vazia)

Era pra ser um abraço único, que não começa em um e nem termina no outro
Era pra ser a cumplicidade dos olhares que não precisam se encontrar para estarem juntos
Era pra ser a respiração sincronizada, um peito abaixa para o outro levantar
E o sono mergulhado nos sonhos mútuos, na sala de estar

Era pra ser a verdade nua e sem vergonha dos cílios que julgam
Era pra ser o entrelace dos dedos espantando o medo

Era pra ser mais do que a sombra do que era pra ser.
E era... a espera.


19.5.11

Why she decided to be a reptile.

Put an umbrella in her purse,
Buy extra tissues when it's cold,
Have a mint hanging by the keys, just in case.
Charge fully loaded batteries,
Double wraps on every sandwich,
Carry around all make up items, just in case.
Buy a new one before the old is over,
Have a pen, some change and all kinds of medicine
Just in case.

Get herself a new lipstick and some new clothes,
Leave that big nice suitcase for runaways lurking nearby
Slowly move everything out of his closet,
Wearing her favorite running shoes,
Just in case.

And wonders around like a turtle with the whole wide world on her back,
just in case home, love or hope falls apart
and there's again the need
to build beginnings
over and over
again.

30.3.11

De balão.

    A primeira parte. Todos os repetidos despertares, maravilhosamente iguais. Os sorrisos dos dentes, água na bochecha, shampoo no cabelo, batom na boca e pé na rua. Isso tudo todo dia, tudo do dia isso mesmo: essa felicidade planejada que dá pontadinhas no pulmão quando a gente respira.
    A segunda parte. Passar o dia enfileirando suas pecinhas de dominó numa cadeia infinita de pensamentos e palavras (atos e omissões por minha culpa? Minha tão grande culpa?). Aprendera há tempos e duras penas que essa era a melhor maneira de ser feliz. Cálculos milimétricos em passos de formiga.
    A terceira parte. A outra parte. É aquela parte que, com o passar do tempo, teima em desequilibrar. Você já enfileirou dominó? Sabe como é, quando uma peça bem pequena pensa em cair? É aí que as outras começam a tremer sozinhas e vão assim, uma a uma, derrubando as vizinhas. E não precisa muito não. É só aquele fio invisível que prende dois olhares na mesma direção se lacear um pouquinho. Basta aquela pilha de palavras não ditas se formando em cima da mesa do jantar. É um segundo. Eu sei disso. Ela sabe.
   A quarta parte. É a parte em que a gente sacode a mesa. E não espera pra ver se o jogo continua de pé. Sacode e sai correndo, porque tem que abrir a janela pra olhar pra fora. Ali fora tem balão. Felicidade que voa de linha cortada ou amarrada, esbarra e flutua por onde der.

   Ali fora tem um balão...

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