11.11.16

pensamentos de travesseiro.

quem sabe o que é o tempo?
a gente diz que com ele tudo se ajeita, se resolve, acomoda, ou estrepa de vez - e isso eu já vi bastante. mas o que é essa coisa, ninguém se atreve a dizer, não.

se é quantidade de minutos dentro das horas dos dias ou quanto se leva pra esquecer alguém. quantas horas são tempo demais, quanto dias são tempo de menos? e, mais importante, se minha ausência nesses meses tirou meu tempo do seu tempo.

toda a gente vive presa nesse círculo com seus tracinhos, contando em minutos o que quer que logo acabe, segurando as horas daquilo que não quer que acabe, não. medindo em compassos iguais os melhores e piores instantes dessa vida que vai escapando de minuto a minuto e obriga a gente a contar cada um.

às vezes a gente acha que as coisas são rápidas demais ou lentas sem razão, mas, sabe, as coisas são. elas apenas são. cada uma tem seu ritmo e acontece só nele porque se fosse outro compasso, era outra música. se fosse de outro jeito, meu bem, era outra coisa.

eu sei. enquanto a gente fala, o marcador se move embaixo do vidro, em cima do pulso, e temos muito a fazer. me diz, então, só mais uma coisa. quando a gente fala: quanto tempo resta? quanto tempo leva? quanto tempo faz? é mais sobre as batidas de um ponteiro ou de um coração?




4.11.16

sua ausência traz a chuva.

sua ausência traz a chuva
desde que nos desencontramos
naquele dia, naquela esquina
em que nos desconhecemos

sua ausência traz a chuva
quando a toalha não está separada
o sabonete no lugar errado
e a bancada da cozinha está vazia

sua ausência traz a chuva
nas séries que não veremos
nas discussões que não teremos
nos filmes não mais compartilhados

sua ausência traz a chuva
mas eu amo tempestades.






12.10.16

soneto da chuva.

quando sentei pra conversar com a chuva
ela me mostrou um mundo enorme
cada pingo se prendeu ao meu corpo
feito vaidade do céu desforme

tenho esse dom dos olhos dos outros
que me deu um coração encravado
quebro nas primeiras frases
aquele futuro sem ter começado

é que esse silêncio eu conheço
é onde o medo faz seu lar
o desvio dos olhos vem cedo
numa luta para não começar

em cada não-dito fica claro
que um ontem existiu pra nós dois
mas veio sem aviso o encaixe
com toda essa vontade do depois

e agora que não te sei ainda
queria poder dizer essas coisas
que talvez te espere pra falar assim

mesmo agora que sou singular,
mesmo agora que nos dói entrar,
você pode repousar seu amor em mim




13.5.16

pra agora ou pra viagem.

.
no descuido dos planos mal feitos,
na coincidência de uma esquina 
- daquele bar, leblon -
chegou o moço do olho de flor

ele me olhou como sempre 
eu retribuí com a casca dos anos
nos sorrimos, reconhecemos, 
nos beijamos, compassamos

as mãos, as unhas, as línguas 
o cheiro, o suor, o sono
o igual, o diferente, o mesmo
os avós, os medos, os pés 

andamos três vezes juntos 
sob o céu descoberto da noite 
quase sempre bem acompanhados
o vinho, o mar, a música... e o passado

no desaviso de uma dúvida 
no desvio de uma resposta
- naquela noite sem som -
partiu o moço do olho de flor

ele me olhou como nunca
me reconheceu por dentro 
nos sorrimos, nos acovardamos
nos despedimos, evitamos 

os olhos, os abraços, os sorrisos
o começo, o meio, o fim
os sonhos dentro do sono
e todas as noites ao som do led zeppelin



28.4.16

Da falta.

       Não sinto sua falta. Não lembro com saudade do tempo que já passou. Volta e meia a nostalgia vem tomar café da manhã em minha nova casa, mas ela sabe que é visita. Não é sobre as madrugadas que conversamos. Nenhuma parte de mim quer voltar para aquele tempo e nem saber como poderia ter sido. Mas te sinto na minha falta.
       Te sinto na falta de olhos que me vejam como os seus. Na falta diária que seu peito sentia do meu calor. Na adoração de cada flagrante de toda vez que eu te procurava de longe. Sem ensaio, sem pedido, encontrava seus olhos cravados nos meus com um sorriso que espantava qualquer dúvida. Um orgulho que estava ali por nada, por eu ser, estar e existir. Você me observava de perto, de longe, dormindo, escovando os dentes, passando mal depois de alguma orgia etílica, trabalhando, pregando móveis, pintando quadros, tirando fotos, julgando letras, escolhendo filmes, conversando, partindo, voltando, ficando, respirando. E fazia isso sem descanso, como se eu fosse um filme eternamente bom, todo feito de cenas imperdíveis.
       Aprendi a me entender assim, inundada de amor, nessa neblina do exagero. Flutuei alguns anos e talvez isso tenha entorpecido a derradeira partida. Saí de nós inebriada do que você sentia de mim. Agora é desembaçar o espelho. Hoje tento não me afogar na falta do constante transbordamento. No vazio ou rarefeito. Na falta que a falta faz.

(+and love me for my mind
'cause I'm a dangerous heart)

24.4.16

Toda a água.

Toda água que bate na pele muda o que se é por dentro. O suor que escorre no carnaval, a saliva de 31 de dezembro, as lágrimas de janeiro. As ondas batem nas coxas quando não dá mais tempo de voltar à areia. O único caminho é o mergulho. De corpo todo, de cabeça, de olhos fechados,  respiração suspensa. Mergulhei num rio rasinho, com pedra lisa no fundo, e ele me abraçou inteira. Mantive a cabeça embaixo d'água porque quis e ele avisou que era pr'a gente seguir junto. A correnteza deslizava no meu corpo que deslizava na correnteza e não se sabia mais o que era líquido ou carne porque o rio e eu temos alma transparente. Assim fomos de cidade em cidade, cama em cama e uma escada ocasional. Foi quando eu pensei que aquele rio era toda a minha vida. Ainda, a cada braçada tudo parecia mais fundo. Quando não via mais suas pedrinhas coloridas a corrente apertou meus braços e machucou a pele. Nadei com arranhões pequenos no rosto e no peito. Já não conhecia o curso daquele rio. Antes o fluxo suave me levava para um lado e para o outro sem precisar avisar. Não sei mais dizer quando é para a direita ou esquerda. Essa era a altura da queda. Senti desavisada o sal estalar na língua e o fogo de água salgada me tomar por dentro. O rio desembocou no mar. Não tem problema, sou feita de água. O mar também é meu, mas não só. Ele puxa e afasta ao mesmo tempo e eu aviso que fico - enquanto houver fôlego. Fico enquanto sentir gosto de rio. Hoje eu fico e deixo a janela do mar aberta. Todo mar desemboca num rio.