1.12.15

boa noite para você também.


que a noite seja boa enquanto suas palavras não chegam. que a escuridão abrace suas costas enquanto me acostumo a este ângulo. que seus sonhos sejam calmos quando há o desencontro. que sua respiração seja lenta no descompasso que se inicia. que seu corpo descanse pleno quando o meu é ausência. que suas mãos repousem no leito das minhas novas incertezas (o mais tarde que já não sei querer - achei que sabia). que suas pernas se entrelacem aos poucos daquilo de que desisto. que seus braços se fechem nos travesseiros feitos de uma queixa desmerecida - para com isso. que o descanso lhe seja vasto agora que me falta a imaginação do que vem. que seu sono seja o algo profundo que me falta a cada dia. que seus olhos permaneçam fechados frente ao vazio com que começo a te preencher.

e que assim seja:
boa noite, amor.
saiba que não vou dormir agora.

 

17.11.15

efeméride.


    amor é pena flutuando no ar. é coisa bonita de se observar e desaconselhável tocar com os dedos. você pode abrir a mão e acompanhar seu movimento de descida vagarosa, com a palma estatelada para cima, esperando que ele caia ali. mas basta uma respiração descompassada pra que ele novamente vá embora.
    amor é óleo de rícino. bonito de ver se despejar à distância. difícil engolir pela garganta, mas te ensinaram que faz bem à saúde e por isso você toma mesmo quando achava melhor deixar pra lá.
    amor é coisa que não se põe a mão. papel de arroz, suor no lado de fora do copo, dente-de-leão. é um punhado de purpurina em cima da mesa, ar rarefeito e tudo que é mais fácil olhar de longe.
   ontem mesmo tinha um amor imenso sentado nesse banco ao meu lado. estado líquido pleno para preencher cada fissura de dúvida que restava. mas aí evaporou.


9.10.15

quando não importa que não importe paris.

Olhei de longe e te achei diferente de tudo que já tinha conhecido. Diferente de tudo que toquei com as pontas dos dedos e de mim. Toda a curiosidade do novo pulsando em viagens diárias através daquela baía. Minhas sempre presentes arestas tentaram assustar os planos, mas você poliu cada quina do meu rosto com um beijo e elas foram embora.
Você me olhou e foi tudo mais ou menos igual. Foi engraçado segurar nas mãos aquele bichinho arisco tantos meses. Cantou baixinho pra acalmar os medos e dedilhou no violão uma rotina doce. Só que aí você olhou de novo. Com o que falta, o que sobra, o que esquenta em maior frequência, o que sou e sempre fui. E me achou diferente de tudo que já tinha conhecido. Diferente de tudo que tocou com as pontas dos dedos. E sentiu neles estes cantos que me confortam e agora te afastam. As arestas tentaram assustar os planos e você falou dos nossos filhos. E a palavra quando sai da boca ganha corpo e forma. Aí o assustado era você. Ali estava a face que não via, a alma feita de covardia. Me prendeu os pés e partiu sem a delicadeza do adeus.


7.10.15

o horário do despertador.

O dia de mudar o horário do despertador dá sempre um aperto no fundo do coração. Mudo de oito para sete e sei que a noite não vai ter a sua respiração, nem a manhã o seu cheiro. Sei que não tem beijo no portão ou luz pra eu esquecer acesa. O dia de mudar o horário do despertador chega muito rápido e demora pra passar. Serve pra lembrar que o tempo ganhou toda uma nova elasticidade desde que passei a te encontrar. 

6.10.15

aqueles casais.

Olham pro horizonte, para a parede, fixam-se em cada vinco da mesa, sentem os detalhes dos rejuntes do piso. E seguram as mãos. As próprias, não um do outro. Passam horas em silêncio por minuto. Se encontram por fora da mesa. Com os muitos que são os outros. E falam. Dentro da própria garganta, um monólogo contido e inaudível. Tudo o que se diriam, se houvesse coragem, paixão, vontade, tesão, amor, ódio ou qualquer sentimento que não a inércia. Enquanto bate o relógio que não temos, enquanto fica o carro na rua, enquanto faltam móveis na casa. Enquanto houver por enquanto.


5.10.15

undertow.


Ele vem.
Sinto na pele seus sinais. Entrando devagar pelos poros e enchendo o peito ao avesso. O medo. Hora de se instalar na esquina, prazo padrão.
Seis meses ou duzentos e quarenta e poucos dias, depende de quando a gente começa a contar. Pode ser do dia que você anunciou que eu era sua ou do dia em que já sabíamos quem éramos um do outro. Não importa a contagem, o tempo é esse agora em que ouço algumas frases repetidas no eco de todos os meus anos. Desaprendi a respirar desde o domingo em que não batemos de carro. Te olho com olho de bicho assustado porque espero o tiro, o passo, a deixa. É agora ou espera mais um pouco?
É o mar se recolhendo devagar da areia. Vai o peito esvaziando a falta de ar e é tanto amanhã que já me começa a faltar. Toda aquela coleção de lembranças do futuro que você desenhou na minha frente. Aquelas coisas que eu nunca quis e que tanto já me fazem falta. 

Recuo porque não sei o tamanho da onda.


22.4.15

você.

tem as certezas pra todas as minhas dúvidas
e a calma que tempera a minha intensidade
tem dois braços que desmontam minha fuga
e esse tal um abraço em que quero morar
tem muita preguiça, quer dizer, pouco tempo
e beijo infinito pra curar qualquer interrogação
tem um pé que encontra o meu no meio do son(h)o
e uma voz que canta baixinho o que quer me dizer
tem essa mão que eu encomendei faz tempo
e um sorriso esmagado no travesseiro
tem trilha sonora pra todo jantar
e paciência com os meus hiatos

você chegou sem alarde, sem avisar
e tem cheiro de uma felicidade que nem sei o nome ainda.


sobre o que se acha em horinhas de descuido

3.2.15

o meu retrato.

"essa foto não é sua", disse três vezes. e quem lhe conferiu tal autoridade? pergunto quem lhe conferiu esse peso de cada palavra que me destrói pedaço a pedaço, pro bem ou pro mal. quem lhe permitiu esse poder sobre meu corpo, esse peso nos meus ombros? qual poder supremo olhou no teu olho de cílios limpos e disse: 'olhe, vá ressignificar músicas que ela gosta'? quem lhe instigou o vinho, quem lhe fez se derramar sobre meus poros. quem quer que tenha sadicamente lhe colocado de contratempo nesse meu caminho manso merece um castigo que não sei qual é. talvez um você, desse jeito dolorido, enlouquecedor e apavorante. mas pra ele. ou ela.
ou ela. ela é outra peça de tudo o que hoje me enfraquece e eu nem sabia que existia. uma poça de lama reluzente que te hipnotiza cada vez que você chega perto. foram duas vezes que eu vi o encanto acontecer. meus dois anoiteceres diurnos. no que achei que era meu, foi lá e fez igual. ou melhor, ou pior. não sei, não entendo do assunto de vocês. sei que você quando elogiou meu colar, tinha lembrado de outro e tudo isso tira o valor de um segundo por segundo. acho que vou desachando tudo que achei em ladrilhos na frente da igrejinha quando falamos de eternidades absurdas. 
o que fui lá, não sou aqui. quando fui outra, voltei na estrada sonhando contornos de romance adolescente. macabéa que sai da cartomante. a vida-hoje desenhada esvaindo em cada linha trocada, em cada lembrança de presença acompanhada. essa é a vez da palavra difícil. felicidade antes do atropelamento. vou gastar meus segundos devagar. aqui jaz minha efeméride. 

[2015] a efemeridade do amor líquido.


4.1.15

a noite do ano.

faz cinco anos que isso começou a acontecer sem a gente se dar conta. uns encontros em corredores e salas mudas que ninguém poderia reparar. você não sabe, mas eu ainda lembro de um dia que você me olhou e me olhou de novo. e a vida foi correndo pelos dias e cidades enquanto fomos dois em direções opostas. mas volta e meia tinha um assunto seu. e acho que devia ter o meu também. e assim fomos nos desconhecendo à distância.
eu fiquei por aqui em um grande amor impossível, que é tudo que eu gosto de fazer nessa vida. fui contando dias felizes e esquecendo os que não foram até não conseguir mais varrer as horas cinza pra debaixo do tapete. abri a porta e me assustei um pouco com tanto amor líquido do lado de fora. apaguei um tanto de mim e comecei a redesenhar meus contornos. te contei daquele cara que colocou meus pés no chão? ele chegou aqui antes e depois de você e me tirou o sono e a singularidade. estava andando por aqui tentando entender como me encaixar no ordinário em que me colocaram. contando meus grãozinhos de areia.
no intervalo entre nós, eu fui plural e você sem par. acho que você dormia, acordava, dirigia e dormia - mas não sei bem essa ordem. a saudade habitava as frestas de tempo que sobravam e também sua vontade de ser pai. você queria se plantar em alguém pra não se perder de si mesmo. eu também tento não me perder olhando bem fundo nos olhos dos outros.
num dia vermelho, você estava ali onde já fui, mas tão diferente do que fui por lá. depois me chamou pra perto da janela de onde me arremessou pro ano-que-vem. e agora, feliz 2015.