24.4.16

Toda a água.

Toda água que bate na pele muda o que se é por dentro. O suor que escorre no carnaval, a saliva de 31 de dezembro, as lágrimas de janeiro. As ondas batem nas coxas quando não dá mais tempo de voltar à areia. O único caminho é o mergulho. De corpo todo, de cabeça, de olhos fechados,  respiração suspensa. Mergulhei num rio rasinho, com pedra lisa no fundo, e ele me abraçou inteira. Mantive a cabeça embaixo d'água porque quis e ele avisou que era pr'a gente seguir junto. A correnteza deslizava no meu corpo que deslizava na correnteza e não se sabia mais o que era líquido ou carne porque o rio e eu temos alma transparente. Assim fomos de cidade em cidade, cama em cama e uma escada ocasional. Foi quando eu pensei que aquele rio era toda a minha vida. Ainda, a cada braçada tudo parecia mais fundo. Quando não via mais suas pedrinhas coloridas a corrente apertou meus braços e machucou a pele. Nadei com arranhões pequenos no rosto e no peito. Já não conhecia o curso daquele rio. Antes o fluxo suave me levava para um lado e para o outro sem precisar avisar. Não sei mais dizer quando é para a direita ou esquerda. Essa era a altura da queda. Senti desavisada o sal estalar na língua e o fogo de água salgada me tomar por dentro. O rio desembocou no mar. Não tem problema, sou feita de água. O mar também é meu, mas não só. Ele puxa e afasta ao mesmo tempo e eu aviso que fico - enquanto houver fôlego. Fico enquanto sentir gosto de rio. Hoje eu fico e deixo a janela do mar aberta. Todo mar desemboca num rio.


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